Desvio Fonético e Fonológico: as trocas
na fala
Esta dificuldade é mais conhecida como "trocas na fala", pois caracteriza-se pelas trocas, omissões, inversões e acréscimos de fonemas durante a fala. O atraso na aquisição fonológica, ou seja, na linguagem oralizada pode resultar neste quadro. Classificam-se em: desvio fonético, desvio fonológico e desvio fonético-fonológico.
Aquisição fonológica do português:
A ordem de aquisição dos fonemas pela criança ocorre naturalmente de acordo com o grau de dificuldade. Os últimos fonemas a serem adquiridos são as líquidas, principalmente a líquida não lateral r, que tende a ser adquirida pela criança após os quatro anos. Este fonema é o último por que depende de um ato motor complexo que é a vibração de língua. Veja a ordem de aquisição dos fonemas abaixo:
Plosivas: p, t, k, b, d, e g ---------- 1ano e 6 meses - 1 ano e 8 meses
Nasais: m, n e ñ ---------- 1 ano e 6 meses - 1 ano e 8 meses
Fricativas: v, f, s, z, S, Z ---------- 1 ano e 8 meses - 2 anos e 10 meses
Líquidas: l, R, lh, r ---------- 3 anos - 4 anos e 2 meses
Os fonemas geralmente são adquiridos nesta ordem, porém a idade ilustrada para esta aquisição é a penas uma média. Muitas crianças conseguem pronunciar estes fonemas mais precocemente e sem dificuldades, enquanto outras demoram um pouco mais, apresentando certas dificuldades que devem ser trabalhadas de preferência antes da alfabetização.
A criança deverá adquirir todos os fonemas até os quatro anos, no mais tardar quatro anos e meio. Aos cinco, se as trocas persistem já passa a ser considerada uma "patologia da fala". Desta forma, fica evidente uma maior dificuldade no tratamento da fala. Por isso o ideal é iniciar a observação desta criança antes dos cinco anos, a fim de encaminhá-la a um especialista mais precocemente. Isto garantirá resultados mais satisfatórios, sem correr o risco de comprometer o aprendizado escolar.
Desvio Fonético
É uma alteração miofuncional oral, ou seja, um comprometimento motor que possui uma causa orgânica. Por exemplo: a perda de um dente pode fazer com que os sons de alguns fonemas se alterem durante sua produção; a presença de freio lingual curto, mais conhecido como "língua presa", impede a movimentação adequada da língua para a produção de certos fonemas; a mal oclusão dentária; além disso, a própria incoordenação dos movimentos dos músculos da face pode ocasionar dificuldades na fala.
Desvio Fonológico
É uma desorganização no sistema de sons da criança, não tendo nenhuma relação com comprometimentos orgânicos que afetem a produção da fala. Crianças com desvio fonológico apresentam alterações no seu desenvolvimento fonológico sem causa aparente.
Caracteriza-se pela fala espontânea quase ininteligível, com linguagem bem desenvolvida e ausência de anormalidades anatômicas ou fisiológicas nos mecanismos de produção da fala.
Desvio Fonético-Fonológico
Ocorre quando existe a presença de alteração motora e falta de compreensão dos fonemas durante a fala.
As Perturbações Articulatórias
As alterações articulatórias podem ser de dois tipos: orgânicas e
funcionais. Os problemas dizem-se fonéticos quando se
localizam exclusivamente a nível da produção de fala (i.e., planeamento e
execução dos movimentos articulatórios) e fonémicos quando o
sistema fonológico se encontra alterado ou inadequado. Neste último caso, a
pessoa é capaz de produzir sons mas fá-lo de forma inconsistente, imatura ou
inventada. Os erros reflectem uma aprendizagem incompleta das regras de uso
tendo, portanto, uma base linguística.
Para uma eficaz intervenção nas perturbações de fala é necessário, por
um lado, identificar qual destes dois tipos se trata e, por outro lado, fazer
uma avaliação cuidada da situação. Para o correcto
diagnóstico é necessário recolher informação relativa a aspectos como
os factores estruturais (e.g., desvios orgânicos da língua e de outras
estruturas anatómicas), a existência de dificuldades de coordenação motora
(i.e., avaliar a acção simultânea e sucessiva de contracções musculares) e
sensoriais (i.e., avaliar a existência de problemas auditivos e
proprioceptivos), ao desenvolvimento da linguagem (e.g., averiguar se houve
atraso na aquisição dos grandes marcos da linguagem e ver se há problemas a
outros níveis como o sintáctico, o lexical, o morfológico e o semântico) e a
factores ambientais (factores que possam ter dificultado ou impeçam a aquisição
dos sons; e.g., língua materna dos pais, idade dos pais, factores emocionais,
modelos parentais, dinâmica familiar) ou evolutivos (e.g., desenvolvimento
motor da criança, doenças prolongadas, inteligência, imitação do comportamento
de crianças amigas com problemas de articulação, problemas emocionais). Para
além destes aspectos, é necessário identificar-se os erros articulatórios
propriamente ditos.
Através da análise de amostras de fala espontâneas e de
respostas a testes de articulação é importante identificar
quais são os sons que o paciente produz incorrectamente, que tipo de erros dá e
onde estes se localizam (e.g., em que estrutura silábica, em posição inicial,
medial ou final de palavra). É preciso igualmente identificar algumas
palavras-chave (i.e., palavras específicas onde o paciente consegue articular
correctamente o fonema- problema), quais as produções correctas após
estimulação auditiva e visual forte, contexto fonémicos e silábicos relevantes
e contextos comunicacionais (e.g., tipo de situaço comunicativa, velocidade do
enunciado, tipo de material comunicativo).
Os erros articulatórios mais frequentes são as omissões,
as substituições, as distorções, as adições e as inversões. No caso específico
das substituições, chama-se a atenção para o facto de a substituição de um
fonema por outro depender da semelhança entre ambos, quer a nível da
sonoridade, quer a nível dos movimentos (e.g., articular /p/ em vez de /t/ mas
raramente articular /p/ em vez de /l/). Para além de se delimitarem os erros
articulatórios é necessário identificar-se as regras fonológicas que estão por
detrás desses erros. Esta identificação das regras subjacentes aos erros
articulatórios pode ser feita através de uma análise dos traços distintivos,
através de uma análise de acordo com o sistema tradicional de classificação dos
sons da fala, ou através de uma análise aos processos fonológicos aplicados.
• Traços Distintivos
Os traços são propriedades de sons e caracterizam-se por serem binários
(presentes (+) vs. Ausentes (-)). Quando determinados traços servem para
diferenciar um som da fala de outro designam-se por distintivos. O leitor
interessado encontra em Mira-Mateus, Andrade, Viana e Villalva (1990) uma
revisão dos vários traços distintivos. Aqui, e para exemplificar, falaremos
apenas de quatro traços distintivos: o nasal (que tem a ver com a ressonância
nasal), o contínuo (bloqueio mínimo da corrente de ar), o estridente (som de
fricção), e o sonoro (funcionamento das cordas vocais)
Em casos de perturbações articulatórias, a identificação de traços
comprometidos pode ser de extrema utilidade pois permite ao terapeuta trabalhar
directamente esses traços ao invés de incidir sobre os diversos fonemas que se
caracterizam pela sua presença. Considere, por exemplo, o caso de um paciente
incapaz de produzir os fonemas /s, z, f, v/. Ao invés de ensinar a correcta
articulação de cada um dos quatro sons, o terapeuta pode intervir apenas no
traço distintivo que é comum aos mesmos. No exemplo dado, o traço distintivo
ausente é a estridência. Assim, a intervenção poderia passar por treinar o
paciente a sibilar, a assobiar e a estridência. Assim, a intervenção poderia
passar por treinar o paciente a sibilar, a assobiar e a produzir zumbidos e por
usar técnicas específicas de reconhecimento do traço da estridência de
imitação.
• Sistema Tradicional de Classificação dos Sons da Fala
A classificação dos fonemas consonânticos é feita através de quatro
características fundamentais: o ponto de articulação, o modo de articulação, o
vozeamento e a nasalidade. Já a classificação das vogais é feita através da
região de articulação, do grau de abertura, da intensidade, da posição labial e
da nasalidade.
À semelhança da abordagem anterior, pode ser útil identificar qual a
característica que se encontra ausente em caso de dificuldades articulatórias.
Por exemplo, se o paciente tiver dificuldade em articular fonemas cujo ponto de
articulação seja o alveolar, a intervenção pode ser mais eficaz se se centrar
especificamente no ensino de gesto articulatório correspondente(i.e., levar a
ponta da língua a tocar, ou a aproximar-se, dos alvéolos).
• Processos Fonológicos
Os processos fonológicos são processos naturais que as crianças usam
para simplificar os padrões de fala do adulto. Estes processos fonológicos têm
a ver com o tipo de erros articulatórios presentes na articulação de palavras.
Exemplos são a omissão de um segmento sonoro (e.g., dizer /peto/ em vez de
PRETO), a substituição de um som por outro (e.g., dizer /piSAmA/ em vez de
PIJAMA), a inversão, ou metátese (e.g., /kurkudilo para CROCODILO), a adição
(e.g., /f6lor/ para FLOR) e a assimilaço (e.g., /nAniS/ para NARIZ). O leitor
interessado encontra em Castro e Gomes (2000) os principais processos
fonológicos observados em crianças portuguesas entre os 3 e os 5 anos de idade.
Considere o caso de um paciente que substitui sistematicamente os sons
/S/ e /Z/ por /s/ e /z/, respectivamente. Por exemplo, em palavras como CHAPÉU
e MÁGICO o paciente produz /sApEw/ e /maziku/, respectivamente. O tipo de
desvio observado é a anteriorização. Neste caso, a intervenção pode passar pela
técnica do bombardeamento auditivo (e.g., no início e final de cada sessão, o
terapeuta lê listas de palavras que contenham o som alvo) e pelo treino
conceptual. O treino conceptual consiste em estabelecer contrastes mínimos com
significado de forma a levar o paciente a perceber que a alteração de um som
por outro altera o significado da palavra (e.g., /masu/ vs. /maSu/, /Zelu/ vs.
/zelu/).
Canongia, M. B. (2000). Intervenção precoce em fonoaudiologia. Rio de
Janeiro: Revinter.
Dockrell, J., & McShane, J. (2000). Crianças com dificuldades de
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(Ediço original de 1994)
Van Riper, C., & Emerick, L. (1997). Correço da linguagem. Uma introdução
à patologia da fala e à audiologia (8ª ed.; M. A. G. Domingues, Trad.). Porto
Alegre: Artes Médicas. (Edição original de 1990)
Yavan, M. Hernandorena, C. M., & Lamprecht, R. R. (2002). Avaliação
fonológica da criança.
Reeducação e terapia (2ª reimpr.) Porto
Alegre: Artes Médicas
Fonte: http://leandrafono.blogspot.com.br/
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